REFLEXÃO SOBRE A VIRADA CULTURAL DA CIDADE DE SÃO PAULO
O HIP HOP COMO MOVIMENTO À CIDADANIA
SP 29/05/2006 A cultura é um legado (os modos de fazer) humano perpetuador da vida, é um legado histórico e, ao mesmo tempo, está por se fazer, sempre em movimento. É ela, produto criativo do trabalho humano, pertencente a todos, e sua possibilidade de criar-se e fazer-se é também direito de todos, constituído por lei. As diversas formas de expressão, os modos de criar, fazer e viver, sendo a própria cultura, são direitos de todos os brasileiros que vivem em diversos lugares, pois, o trabalho humano, o fazer-se, é cultura e, cada lugar é diversas culturas. Assim, é por lei direito do homem ter as condições essenciais de perpetuar sua cultura e prossegui-la.
Considerando ainda a cultura como uma condição social, dizendo respeito a todos os homens, é preciso entende-la não como uma dada cultura do Brasil, nem algumas representativas das regiões brasileiras, nem uma de cada cidade ou de cada bairro, mas sim, como diversas culturas constituídas e constituidoras de diversos lugares. Cada lugar é múltiplos modos de existir, de indivíduos fazendo-se cotidianamente.
Ainda sobre a cultura, é importante salientar, que ela não é um evento externo que chega aos lugares em que vivem os diversos brasileiros ensinando-nos o que é a cultura ocidental, ela não é o modo externo à vida de cada um no seu lugar, ela é o lugar. Ainda que todos os lugares e todas as culturas sejam relações entre o seu fazer específico e o mundo, ela não diz respeito a hegemônicos modos de fazer. Existem trocas, ou mesmo imposições culturais, mas não são nunca completas ou dominantes, pois cada individuo as vive e as transforma perante sua necessidade e criatividade. Sendo assim, a cultura é interna aos lugares e leva ao mundo seu fazer e, contraditoriamente, cada lugar recebe do mundo as experiências das diversas outras culturas. Em uma relação, indissociável e simultânea, cada cultura realiza-se nas contradições entre o mundo e o lugar.
Comunhão da cultura individual: O Hip Hop na cidade de São Paulo
Cada homem é uma cultura distinta, porém, temos maior apreensão destas quando essas vastidões de culturas encontram-se por um motivo comum e em comunhão constroem uma voz mais forte, ainda que não perca as identidades pessoais, é apenas em conjunto que o fazer cultural tem maior ressonância e sentido. Esta comunhão entre indivíduos manifesta-se por diversas formas, ao qual o fazer é discutido e solidário, o comum destes homens é parte de um projeto que os une, que permite a cada indivíduo a vida de sua cultura particular construída e discutida juntos. Os lugares são emaranhados desta relação que cada homem trava no seu dia-dia, uma relação consigo e com o outro, aprendendo, solidarizando-se, trocando suas experiências culturais com o seu entorno. Esta é a comunhão da vida, do resistir, do fazer-se.
Nas cidades temos diversas comunhões, na cidade de São Paulo, em cada lugar dela, temos um emaranhado de culturas resistindo e fazendo-se. São Paulo traz em sua história um processo de urbanização intenso e desigual, assim, os modos de fazer dos indivíduos desta cidade lhes caracterizam por culturas específicas, que resistem e existem pelas necessidades, possibilidades e criatividades dos paulistanos.
Encontramos na história recente desta cidade, e no seu presente, um fazer criativo e cotidiano, resistindo às condições desiguais dos bairros mais pobres e propondo outros modos de existir, que é o Movimento Hip Hop. Um movimento de diversos indivíduos, em sua maioria jovens, que constroem em seu cotidiano, encontrando-se na música, na dança, na pintura e nos seus problemas e esperanças cotidianas, uma forma de unirem-se e criar um movimento em que quatro elementos culturais os unem e possibilitam que cada um perpetue sua cultura e sua vida. Os elementos são: o Breaking, o Grafitti, o Dj e o Mc. Elementos que dizem respeito a suas histórias nos lugares, que lhes permitem valoriza-los como cidadãos que possuem sua arte e sua cultura. Elementos também que os unem para um futuro mais justo nos seus lugares, elementos que garantem o fazer criativo e comprometido com a razão e emoção a que todo homem possui e tem o direito de manifestar.
Fórum Hip Hop e o Poder Público Municipal: a cultura garantindo a cidadania
Nesta realidade paulistana, jovens de diversas partes do território, uniram-se para, através do Movimento Hip Hop, realizar sua cultura, garanti-la e ir mais além, garantir seus direitos e construí-los, junto ao poder público municipal, realizando a cidadania de cada individuo no seu lugar .
Desde agosto de 2005, ocorrem Fóruns de discussões que no seu processo vem construindo um diálogo entre os agentes do Hip Hop e alguns agentes do governo municipal, neste processo o mote das discussões encontram-se em oito eixos definidos pelo próprio fórum:
- Difundir o Hip Hop
- Elaborar políticas públicas de juventude
- Inserir o Hip Hop como tema transversal da educação
- Combater a discriminação de gênero
- Organizar uma agenda do Hip Hop na cidade
- Combater a discriminação racial
- Atuar contra a violência policial
- Gerar emprego e renda.
Tais eixos são de extrema importância na mobilização do movimento em pressionar, discutir e reclamar sobre as desigualdades que vivem e que é de responsabilidade da sociedade, de cada um levantar e propor novos caminhos e principalmente do governo possibilitar essas ações.
Ainda, este Fórum congrega pela cultura, uma troca riquíssima entre a vida do Hip Hop em cada lugar de São Paulo, ao trocar suas experiências culturais, estão também trocando informações sobre suas dificuldades, ou facilidades, seus dramas, suas correrias, suas alegrias, suas vidas em comunhão, projetando juntos, outros caminhos possíveis...
A Participação do Fórum Hip Hop na Virada Cultural de São Paulo
Uma das ações fruto deste Fórum, foi à possibilidade do Hip Hop congregar, mais uma vez, jovens que vivem em diversos lugares da cidade de São Paulo, que tem o Hip Hop como sua cultura, ou que querem conhecer o movimento, ou ainda, que são afins as idéias que o movimento aprofunda: o conhecimento, seja da cidade, seja das desigualdades, seja da vida de cada um. Apresentou-se em um dos bairros, onde o movimento existe, no Centro Cultural da Juventude na Vila Nova Cachoeirinha no dia 21 de maio de 2006, os quatro elementos do Hip Hop, evento que reuniu ao movimento, a importância das discussões do cotidiano, a valorização das pessoas destes bairros, a importância da cultura através do Movimento Hip Hop, trouxe também o conhecimento de contestação que historicamente o Hip Hop constrói. Foi um evento que possibilitou o diálogo entre a cultura, a política e a totalidade da vida das pessoas destes lugares.
A Virada Cultural é um evento que deveria apresentar ao seu povo as diversas culturas que ocorrem na cidade de São Paulo, no entanto, está muito aquém da possibilidade de permitir que cada lugar apresente sua real vida cultural. Ainda é um evento, como a maior parte das políticas culturais desta cidade, que favorece algumas culturas de São Paulo, principalmente eventos para a classe média e alta, com a participação de algumas de suas culturas, uma cultura elitista principalmente. Para que fosse realmente legitima a proposta deste evento, cada lugar teria que trazer as possibilidades de culturas feitas. São Paulo possui uma vasta qualidade de culturas, o que contraria a realidade de eventos como este, que sempre são contemplados, prioritariamente, pelos fazeres dos mais “famosos”, com artistas e agentes culturais mais “visíveis” privilegiando algumas poucas regiões. Política que faz com que a cultura venha de cima para baixo, de alguns agentes para uma elite e uns eventos pontuais para o povo, ao invés, de ser sua real razão: feito pelo povo para o povo. Considerando o inicio deste texto, temos que todos fazem cultura, todos! Então porque as possibilidades destas políticas culturais são para uma pequena elite?
O Fórum foi convidado a participar desta virada cultural, este entregou um projeto que teria o Hip Hop apresentado não apenas em um lugar qualquer, mas sim, nos seus lugares onde ele vive e, apresentado por todos os seus agentes e não pelos mais famosos. A proposta do Fórum foi desconsiderada. Cada bairro onde o Hip Hop vive, perdeu a oportunidade de apresentar à população o trabalho que faz e, ainda mais, perdeu o direito constituído por lei que garante que em cada lugar seja fomentada sua cultura, por eventos, por ações culturais.
Contraditoriamente, apesar de apenas um lugar ter sediado o evento, ainda assim, o poder da discussão cultural do Hip Hop foi importante, lembrando sempre, que aquele lugar não era o único lugar que o Hip Hop está presente. E que todos que estavam ali eram agentes da cultura de seu lugar.
A apresentação que trouxe os quatro elementos, com agentes de diversos lugares, inclusive os da casa, da Zona Norte de São Paulo, teve uma tarde em que a cultura, a história, a arte, a apresentação dos elementos, o movimento de contestação, de educação e de conhecimento, foram bases para um dia de construção de uma verdadeira cidadania.
Mais uma vez, com as possibilidades desiguais das políticas culturais, o Movimento, trouxe em sua totalidade a discussão da importância da fidelidade entre a cultura e o seu lugar, e é exatamente importante, porque a cultura não está deslocada da realidade espacial destes lugares, das condições de vida possível nestes lugares. O Hip Hop existe em determinados lugares desta cidade, vivendo-o, questionando-o, abrindo novos horizontes de fazer e estender a vida. Possibilitando um encontro da cidade, de sua população, de seu bairro, de seu lugar, do individuo, com sua cultura. O Hip Hop é importante, porque é um movimento cultural, é cultura e se a cultura é fundamento da cidadania, o Hip Hop, é um dos importantes caminhos a ela, em muitos lugares desta cidade. Foi assim que, apesar das criticas à Virada Cultural, na Vila Nova Cachoeirinha e pelo Movimento Hip Hop, a cidadania esteve fazendo-se...
Texto: Carin Carrer Gomes, geografa e participante do Forum de Hip Hop e o Poder Publico Municipal São Paulo.
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terça-feira, 30 de maio de 2006
sexta-feira, 26 de maio de 2006
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