Miguel - Forum Hip Hop MSP
“Seja
bem vindo a um lugar que deus esqueceu;
Seja
bem vindo a um capítulo da história que o demônio escreveu;
Os
personagens aqui não são heróis não;
Na
nossa história estão no cemitério ou na detenção;
Ou
no meio do mato se transformando em carniça;
Com
vários tiros no corpo, esperando o IML que virá um dia;
To
com o passado na mente e eu me lembro;
De
cadáveres ensanguentados, fulano sentando o dedo;
“Inúmeros
enterros, quantos no IML por migalhas...”.
Facção
Central - Um Lugar Em Decomposição
O
Juventude Viva é um plano, ou seja, é o resultado de um acúmulo de
projetos, pesquisas e demais papeis que diagnosticaram um determinado
problema; os jovens negros são o maior alvo da violência no período
atual (devemos
considerar que todo esse acúmulo surge de um determinado ponto no
tempo, e quando se diz “período atual” estamos dizendo apenas
que o plano não visa corrigir um problema latente em toda a história
do país, mas apenas minimizar uma sequela que para a governo
federal, por assim dizer, não assume ser histórica, mas pontual ao
menos oficialmente).
O
plano apresenta que o jovem negro, com idade entre 15 e 29 anos, é o
principal alvo da violência tanto física como simbólica,
principalmente na esfera institucional, e se propõe a combater esse
quadro através de uma articulação local permeada por uma
intervenção estatal no território com a oferta de equipamentos de
cultura e demais serviços públicos de toda ordem que são
desenhados de acordo com a realidade de cada território.
Textualmente, é inovador e bem avançado no sentido de reconhecer,
com limitações naturais que dizem respeito à produção geracional
do racismo, o lócus a qual esse jovem negro de baixa escolaridade
está exposto. Podemos dizer que é um plano típico das demandas da
atual conformação político-social do país, dialogando com o
rearranjo eleitoral do pós 2002 (chegada de Lula ao poder, levando
em conta a alternativa da burguesia e do capital internacional que
apostaram no PT como aparelho burocrático gerencial do Estado
brasileiro e no consequente bloqueio a luta de classes que tal
conjuntura geraria), o reformismo conservador e a permeabilidade que
setores antes excluídos politicamente que passam a disputar com a
burocracia cutista e petista pela concepção das políticas sociais.
O
exposto acima serve apenas para seguirmos daqui tendo uma ideia
mínima do que se supõe quando pensamos em plano. Ideia mínima,
pois não é nenhuma novidade que até isso é negligenciado pela
imprensa capitalista quando vende a desinformação como informação.
De qualquer maneira, a concepção quanto ao que viria ser o
Juventude Viva esta em disputa e não pretendo aqui trabalhar com a
ideia de que ele é um só onde quer que esteja.
No
segundo semestre de 2012, o governador de Alagoas Teotônio Vilela
Filho (PSDB) se reuniu em Brasília com a Secretaria de Promoção da
Igualdade Racial e com a Secretaria-geral da presidência. Alagoas
foi o primeiro estado a implantar o Juventude Viva, sendo visto como
uma espécie de enclave para o Brasil Mais Seguro, esse último, um
plano que, mesclado entre outros com o Juventude Viva, iria nortear o
Programa Nacional de Segurança Pública.
Interessante
nesses encontros intersetoriais é como cada secretaria vive de
defender a sua existência. Quando o problema é violência, por
exemplo, o discurso é tipo assim;
Secretaria
da Cultura – A violência deve ser enfrentada com esporte, lazer,
educação, saúde e cultura.
Secretaria
do Estado da Mulher (essa é bem interessante, pois é também da
Cidadania e dos Direitos Humanos)- A violência deve ser enfrentada
com esporte, lazer, educação e saúde focando a mulher.
Secretaria
da Defesa Social - A violência deve ser enfrentada com esporte,
lazer, educação e saúde focando a assistência
social.
Funciona
assim da micro à macropolítica, mas na macro costuma ser um efeito
direto de uma pressão de base eleitoral – “fragmentação da
sociedade contemporânea” - e de conjuntura econômica do capital,
pois esse rearranjo que é promovido entra e saí governo não altera
nada que não seja a concepção da implantação de uma política,
importante quando falamos de Juventude Viva, mas inútil do ponto de
vista da luta de classes.
Bom,
neste encontro referido acima, Vilela afirma que o Alagoas tem
problemas sérios com a violência em decorrência da taxa de pobreza
absoluta que atinge metade da população, enxergando o problema como
basicamente socioeconômico. É através não só da ação policial,
mas também através do trabalho social, educação, saúde e
esportes que essas pessoas irão adentrar as portas da cidadania, são
suas colocações.
Apesar
de reconhecer a intersetorialidade do programa (o fato de estar ali
já fala um pouco sobre isso) ressaltou que estava atendendo um
pedido da presidenta Dilma, que também foi quem o convenceu a
implantar o Brasil Mais Seguro. Imagino que Dilma usou uma técnica
típica do que alguns chamam de lulismo; “Antes ter, apesar das
contradições, do que não ter”, o que soa bem do ponto de vista
de quem deseja uma ação prá ontem quanto à situação atual, mas
que por outro lado nada mais é que a expressão das necessidades
matérias do PT em se manter no poder em um momento onde setores da
própria burguesia digladiam pelo mesmo deixando translúcido o
avanço das contradições do regime burguês. Mas o que vem a ser
política para o que chamam de “o outro projeto para o Brasil”? O
que viria a ser política para os tucanos? Quem não faz ideia do que
é a política, na sua forma oficial, para o PSDB, aqui vai uma dica;
“A
política, como meu pai, o ‘Velho Menestrel das Alagoas’, o velho
Teotônio Vilela apregoava, ela é a política como um instrumento.
Uma ferramenta para promover o bem comum, do contrário é
politicagem. E o PSDB existe para fazer essa política, assim que o
presidente Fernando Henrique fez no Brasil, assim que os governadores
que o PSDB tem elegido por todo esse país, entre eles, Aécio Neves
em Minas Gerais. Mudando uma história para melhor; de gestão, de
organização, dos serviços sociais. É o Estado, em parceria com a
sociedade, construindo um futuro comum”.
Teotônio
Vilela Filho (PSDB)
Vilela
é presidente de seu partido e um aparente fã da retórica. Sabemos
dos fatos, que tudo o que foi dito acima é anos luz da realidade.
Talvez a única informação relevante, não por isso inédita, é
que Aécio Neves sai contra Dilma na corrida eleitoral do ano que
vem.
Até
aqui, vimos que nesse pequeno fragmento do contexto onde habita a
disputa por um plano ou política nada foi dito sobre seu objeto, ou
seja, o negro jovem que perfaz o perfil que mais paga a conta da
violência. Muito pelo contrário, Alagoas tem um fascitoide
burocrata filho de outro que era um autêntico dono de fazenda,
membro da UDN depois da ARENA e estrategicamente do MDB no
pós-ditadura civil-militar (contradições nítidas em “Menestrel
das Alagoas” de Milton Nascimento). Deixemos as querelas e vamos
olhar o Alagoas por dentro das Alagoas.
Alagoas
mata negro a rodo. Em 2010, das 2.286 vítimas da violência, 81%
eram negras, o que corresponde a taxa de 80, 5 por 100 mil
habitantes, um índice três vezes maior que o do país (lembrando
que aquela altura o Brasil era o quinto colocado no ranking por essa
taxa sem o corte étnico/racial). A maioria, do sexo masculino, com
idade entre 15 e 29 anos. A cada um branco morto, morriam 18 negros
(1.700%),
26 se pegarmos apenas a cidade de Maceió. Nas Alagoas é onde morrem
mais negros, mas curiosamente é onde morrem menos brancos.
E
como esses jovens negros morrem? Por arma de fogo na maioria das
vezes, 200% (2000 - 2010) foi o crescimento da incidência fazendo
esse corte entre as mortes por causas externas, que é o que se trata
aqui. Passou de 9° para 1° nesse ranking nacional com um taxa
global de 55.3
para cada 100
mil habitantes. Não tenham dúvidas quanto a forma em que se
enquadra a arma de fogo, homicídios.
Em 2011
a taxa de mortalidade se mantém maior entre os jovens, mantendo
homicídios por arma de fogo como causa principal com a taxa ainda
maior que a do ano anterior, ou seja, manteve sua posição no
ranking. Os municípios mais problemáticos são; Arapiraca,
Maceió, Marechal Deodoro, Pilar, Rio Largo e São Miguel dos Campos
com uma taxa pouco superior a 100
para cada 100
mil habitantes, ou seja, quase 10 vezes acima do que a OMS chama de
limiar da epidemia de violência (acima de 10 para
cada 100 mil
habitantes). Se realizarmos um corte étnico/racial aqui, teremos 200
para cada 100
mil habitantes, só contando jovens negros. Logo, entre 2002 –
2011, a taxa de homicídios entre brancos caiu 30,8%
e entre negros subiu 212,9%. Lembre-se do que coloquei acima, morrem
cada vez mais negros e cada vez menos brancos nas Alagoas.
Aparentemente a Secretaria de
Estado da Defesa Social não curte dizer qual a cor de quem tá
morrendo, apesar disso, pode-se trabalhar com o mínimo mesmo. O
relatório 2012
mostram 1.644 mortes por arma de fogo culminando em uma taxa de 52.3
para cada 100
mil habitantes, um leve recuo aparente. Digo aparente, pois para essa
Secretaria de Defesa Social essas pessoas são apenas nome, nome da
mãe, idade, causa, cidade, bairro e mês, ou seja, no máximo metade
de uma folha A4, sabe lá as circunstâncias de tais mortes quanto
mais seu número real. Das 1.644 mortes, 1.238
está na faixa etária entre 15
e 29 anos sendo as ocorrências distribuídas entre: arma de fogo
(PAF), arma branca, espancamento, asfixia, arma de fogo + arma
branca, esganadura, queimadura, estrangulação, não identificado,
sem informação e outra que não consegui identificar “pardo”,
todos entrando no critério de Crimes Violentos Letais e Intencionais
(CVLI). Portando temos uma taxa de 139
para cada 100
mil habitantes nessa faixa etária. Apesar da carência de
informações, o relatório Relação de Vítimas de Crimes Violentos
e Intencionais-Janeiro a Novembro de 2012, é bem desanimador. Para
fechar vamos para 2013.
Usando a mesma base, podemos
encontrar 779
mortes por PAF, no período de janeiro a maio, o que representa
83.73%
dos CVLI.
De todas CVLI, 95.02%
ocorreram em pessoas do
sexo masculino e em 54.49% atingiu a faixa-etária entre 18 e 29 anos
(esse critério
de faixa etária é interno da policia, por isso não é do entre 15
e 29 anos utilizado até agora), logo já estamos com uma taxa de 106
para cada
100 mil habitantes nessa faixa etária.
“(...) através não só da
ação policial” disse o governador Teotônio Vilela. Tão só é o
que os números dizem.
Segundo o deputado federal
Paulão (PT-AL), os focos do Juventude Viva é o analfabetismo,
qualificação de mão de obra, acesso ao mercado de trabalho,
microcrédito na zona rural e programas preventivos para a questão
do crack. Descreveu bem a articulação no alto escalão: a
Secretaria de Juventude - vinculada à presidência da república - é
quem coordena o programa através de uma articulação
interministerial com educação, saúde, assistência social,
trabalho e seppir. Nem o negro, antes petista, Paulão focou com
vontade na questão do jovem negro por outro lado. Só garantiu as
benesses do cargo com a propaganda interminável do governo federal
que fez “o milagre dos peixes” com a ativação do consumo pelo
microcrédito e todo o pacote das políticas a toque de caixa que
eles vivem de decorar. Porém o que nos interessa é saber o que
muda, mesmo que cedo para saber, em Maceió, Arapiraca, Marechal
Deodoro e Rio Largo, é lá que o Juventude Viva está, ou deveria ao
menos.
A
cidade mais importante de Alagoas fechou o período descrito para
2013 (janeiro
a maio) com uma redução muito
sensível, sendo maior para o mês de janeiro e caindo exatas 20
mortes até maio (sensível, pois o mês de março superou a taxa dos
dois anos anteriores quanto ao mês) totalizando 368
mortes (CVLI) no período, logo 2.44
por dia, ocorrendo preferencialmente aos sábados e domingos. O
perfil é o mesmo, 95.11% do sexo
masculino e 53.53% na faixa etária entre 18 e 29 anos, 83.42% por
PAF sendo que as ocorrências são em 48.10%
dos casos em locais públicos e em 43.75% na casa ou nas imediações
da casa da vítima. Apesar disso tudo a taxa de mortalidade por CVLI
entre 18 e 29 anos caiu para 93 para
cada 100 mil habitantes.
Considerada
a segunda mais importante cidade do estado e vizinha da região
metropolitana de Marechal Deodoro, Arapiraca obteve uma redução de
apenas 12 mortes no período
descrito acima. Com muitas oscilações computou 73 mortes (CVLI),
sendo 80.82% por PAF, 56.16% em
locais e vias públicas e 31.51% em casa ou imediações.
Foram 0.48
mortes/dia com uma distribuição mais homogênea entre os dias da
semana. 98.63% ocorreram entre o sexo masculino e em 52.05% (38)
dos casos na faixa etária entre 18 e 29 anos, temos uma taxa de 77
mortes para cada
100 mil habitantes na faixa etária referida. Do ponto de vista
quantitativo, a situação ainda é aguda e a cidade tende a não
superar, em tempo, o quadro.
Pegando
todas as faixas etárias e trabalhando com inferências justificadas
com o perfil das cidades citadas teríamos 30
mortes para cada
100 mil habitantes (21 mortes no
período) em Rio Largo e 53
mortes para cada
100 mil habitantes em Marechal Deodoro (25
mortes no período).
Reconhecendo
a pobreza de qualquer análise qualitativa que poderíamos fazer com
os números acima para o Juventude Viva, fica no ar saber até que
ponto o plano pode avançar em um momento em que o país insiste na
política macroeconômica do modelo neoliberal e aprofunda cada vez
mais suas contradições internas. Cabe ao Movimento Social buscar
conectar cada realidade particular concreta, ou seja, suas formações
sociais, estrutura econômica, estrutura ideológica, ideias
predominantes nas massas, estruturas de poder e suas contradições
internas com o plano Juventude Viva no sentido de utiliza-lo como
combustível às lutas que inevitavelmente acompanharão às
contradições deste novo período. Mas focar cada território não
significa colocar a cabeça dentro da terra como um avestruz para
encontrar respostas, mas se atentar para articulação nacional e
internacional a qual o território de insere.
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